PALESTRA APRESENTADA NA SOCIEDADE DE LÍNGUA PORTUGUESA - NOVEMBRO 25,26 E 27, 1999 -  CONGRESSO DO 1º CINQUENTENÁRIO DA SLP

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“a pátria não é a língua portuguesa (para os luso australianos) ”

 

‘Uma das maiores ambições num escritor é corromper a língua’ escrevia o já falecido José Cardoso Pires em 1997, mas não era decerto isso que esperava encontrar na Austrália quando após 1974, me cruzei com os lusofalantes ali residentes. A memória dos povos é curta, transita do obscurantismo ao iluminismo como quem atravessa a Via Verde duma autoestrada, saciado pelo poder que o vil metal confere.

 

A Austrália foi descoberta após 1950, com grandes influxos nas décadas seguintes, mais fruto da guerra colonial e da depauperada economia lusitana do que da atração do continente-ilha, misticizado pelas corridas ao ouro do século XIX.

 

Para esses primeiros emigrados dos rincões menos desenvolvidos, da insular Madeira às continentais Beiras e Trás-os-Montes, a lufa diária não se compadecia com estudos que não os mandatórios primários, e estes não tinham à data reputação de ganharem o pão de cada dia. Chegados a este vasto e hostil meio ambiente, muitos foram atraídos pelas promessas da exploração mineira, da pesca e da agricultura ou pelos vastos trabalhos na construção de infraestruturas, como as das 'Snowy Mountains' perto da Sidney contemporânea, um dos maiores projetos hidroelétricos do mundo (1950-1974).

 

A falta de compatriotas, a agressividade discriminatória local, o isolamento linguístico e cultural afastava-os da corrente predominante Anglo Celta. Este afastamento de vínculos culturais, sociais e linguísticos, se bem que afastando-os da origem não os aproximava da cultura do país de residência.

 

A mítica ânsia que levara os seus antepassados em 1521-1525 a descobrir esta terra distante, impelia-os agora a sonhar que iriam regressar ricos e desafogados, com uma calma velhice na terrinha pequenina como o país onde nasceram. O afeto ímpar e a saudade sem tradução nos dicionários mundiais ligavam-nos a Portugal, na mira inesgotável do enriquecimento, que se esfumava em muitos casos da mesma forma que a língua mãe, apenas falada nalguns lares, permeada de anglicismos aportuguesados e neologismos. As novas que recebiam falavam de um país em guerra consigo mesmo, anquilosado pelo conflito colonial de África, indeciso e sem futuro.

 

Os jornais, raros e espaçados, eram substituídos pelas cartas mal alinhavadas do Toino e do Manel que preservavam o restrito cordão umbilical aos antípodas. Muitos haviam emigrado a salto, outros iam ensopando com o seu sangue as terras de África, defendendo ideais que políticos e militares lhes determinavam. Para além da saudade – esse sentimento tão exclusivo como o fado –, havia palavras de pobreza, tristeza, injustiças e atropelos, de exploração, do ritual do chapéu na mão, mais próprias do feudalismo do que daquela época.

 

O trabalho era árduo na Austrália mas bem remunerado. Novos hábitos se iam adquirindo com outras gentes, línguas, costumes e tradições distintas: de italianos e gregos a malteses e jugoslavos, todos irmanavam um sonho de conquista de vida, melhor da que para trás ficara numa húmida despedida do paquete que os transportara.

 

Simultaneamente, com a aquisição de novos padrões económicos, veio a comenda de um certo reconhecimento social. Afinal, aqui eram todos iguais, fossem patrões ou trabalhadores, e, se bem que houvesse ainda certas diferenças que tornavam uns mais iguais que outros, nada comparável ao feudalismo marrano de Trás os Montes ou ao opróbrio latifundiário dos alentejos.

 

Os emigrados sentiam-se bem tratados, e lentamente adulteravam as lembranças pátrias cercados por uma segunda geração que se estabelecia matrimonialmente fora do seu próprio grupo étnico, com outras línguas, raças e tradições. Os filhos e netos podiam conservar nomes de cariz português, mas linguisticamente pouco mais do que apelidos ou nomes próprios sobreviviam, disformes ou anglicizados.

 

Nas décadas seguintes, outros milhares foram engrossando aquele contingente. Primeiro, a reunião familiar veio estabelecer novos núcleos, mas a partir de 1970, o panorama alterou-se drasticamente. Vieram Timorenses, e Moçambicanos, Angolanos, Macaenses e outros do ex-Império.

 

Esta invasão caracterizava-se por um novo-riquismo social e educacional, primo abastado, distinto do anterior. Recusando mesclas tribais, este grupo apresentou um enorme desafio à comunidade existente. Como viveriam harmoniosamente? Curiosamente, o desafio resultou num incentivo para a ' velha guarda ' começar a criar restaurantes, confeitarias, talhos, lojas de vinhos, minimercados, serviços e até mesmo jornais capazes de satisfazerem a avidez linguística e cultural deste novo grupo, que não obstante falar matizes dum mesmo idioma, tinha necessidades diversas.

 

Assim se criou um elo motriz entre os que estavam e os que chegavam, e se bem que a comunicação intergrupal nem sempre fosse harmoniosa, veio estimular uma vitalidade que outros grupos étnicos haviam sentido décadas antes. Paralelamente, elevou o perfil dos que primeiro arribaram, capazes de finalmente competirem para uma maior fatia do bolo de oportunidades comerciais até então desutilizadas.

 

Em 1982, não havia um só restaurante que se pudesse intitular de tipicamente português, pesem embora as dezenas de luso-cozinheiros profissionais ao serviço de restaurantes australianos. Toda essa paisagem humana e profissional se transmutou rapidamente.

 

A visão estática do seu Portugal mítico era, porém, incapaz de analisar discursos temporais ou valores e padrões contemporâneos. Sem apoios governamentais, quiçá fúteis, não se constroem pontes para o lado outro de culturas divergentes.

 

A segunda geração, ia mais longe nos estudos, frequentava escolas australianas (de língua inglesa) ainda desprovidas de currículo português, aprendendo novas formas de estar na vida, e, simultaneamente impelindo a família a confrontar-se com polos culturais e tradicionais, opostos e divergentes: -

Por um lado, a predominância paternal em torno da família nuclear – una e indivisível – com a sua cega obediência aos mais velhos, por eles sacrificada e porfiada, por outro, não havendo por parte dos filhos uma retribuição para tempos de reforma.

 

A tradição australiana de cada um de per si, levava os jovens a saírem de casa estabelecendo núcleos independentes e livres de interferência, deixando para trás as velhas gerações, incapazes de cuidarem de si e carecendo de apoios que os mantivessem. Os pais e avós tornavam-se assim num pesado encargo cuja fatura ninguém estava disposto a aceitar, e era com mágoa que aqueles o sentiam.

 

Os mais novos – já o dissemos –, iam para casamentos interétnicos, perpetuando como dote apenas alguns valores e tradições. A maioria porém, despia totalmente o património cultural, em troca de um multiculturalismo tingido pela absorção mesclada de valores estrangeiros. E esta acomodação linguística, educacional e cultural criava tremendos fossos intergeracionais.

 

Houve quem a todo o custo e – muitas vezes sem meios – tentasse preservar a ponte para o lado lusitano, utilizando armamento antiquado e inoperante face às novas gerações educadas por padrões e valores anglo-celtas. Estas digladiavam-se em permanente confronto com a cultura iletrada ou semiletrada dos progenitores. Julgavam inapropriada a saudade por algo que desconheciam ou que esparsamente haviam visitado. Não havia o elo de ligação à terra a que os pais, nostálgica e encarecidamente, chamavam sua.

 

Colegas de estudo ou de trabalho, na sua maioria emigrados, radicados entre uma e seis gerações, viviam uma liberdade jovem, sem preconceitos de classe ou casta, sem a inferioridade de títulos e estratos sociais. Germinava a semente da discórdia, da memória sobravam as excursões a Portugal sem dominarem a língua, e as imagens dum país de tabus, atrasado e desinteressante.

 

Se bem que Portugal continue a caminhar para a sua integração na Europa, os contrastes peculiares a sociedades tradicionalmente estáticas, mantêm-se, sendo obviamente mais díspares em vilas e aldeias. As recordações negativas de tais visitas eram equacionadas com a troça de mal falarem ou falarem mal a língua, apagando qualquer desejo de regresso.

 

Essa, é ainda hoje, a questão principal que - quem de direito - deverá endereçar, se quisermos manter este drama quixotesco a que chamamos o cordão umbilical com o nosso passado linguístico e cultural, e que no fundo, representa a razão primeira de aqui estarmos hoje a celebrar o 1º cinquentenário da Sociedade de Língua Portuguesa.

 

Existe a necessidade de aceitação de padrões e valores distintos dos tradicionais, em vez de fingirmos que os valores das novas gerações não passam duma mera ramificação ou acrescento do modus vivendi paternal.

 

Se o não fizermos, e a catástrofe é bem visível na Austrália contemporânea, teremos os nossos filhos a responderem-nos num Inglês ocasionalmente salpicado de Português. Para eles já basta a discriminação de se sentirem diferentes, sem saberem se são carne ou peixe, e de soslaiarem os seus pais como unidades desterradas dos núcleos dos seus antepassados.

 

Como jovem etnia híbrida em permanente confronto eles não são o fruto de um desajustamento, mas a sua própria manifestação. Se a opção de regresso lhes é posta, o respeito ou o medo, pode levá-los/as a aceder para depois regressarem desajustado/as. Esse regresso e o ajustamento necessário carecem de ser alvo de medidas psicosanitárias para que a perda da cultura e da língua se não tornem irreversíveis.

 

As mais velhas gerações de emigrados da Madeira, Trás-os-Montes, Algarve ou Beiras, raramente se apercebem de que Portugal evoluiu, mesmo em aspetos que consideram maléficos. O Portugal em que mentalmente vivem, perdeu-se na memória dos tempos, quem sabe se num 28 de maio, num 25 de abril, num março ou novembro, em tempo de nevoeiro, à espera de um D. Sebastião. O refúgio nessa memória doentia pode ser o psicotropo do fado, que nos trás à memória um povo perdido em Alcácer Quibir, obstinado na sua recusa de aceitar a reencenação de homólogo filme de Manoel de Oliveira. Esse povo continua na visitação da vã glória, incapaz de decompor as múltiplas parcelas do novo quotidiano.

 

O conflito geracional e educacional não se queda por aqui, é bem mais profundo. Frequentar os mesmos cafés portugueses, ter as mesmas conversas, faz parte do dia a dia do emigrado, numa recriação constante do seu mundo perdido na memória dos tempos. Ou será a incapacidade de cada um se ajustar ao relógio da evolução?

 

No lado outro da realidade mantém-se a burocracia anquilosante dos serviços oficiais portugueses – incomparada à desburocracia da Austrália – e as inúmeras manifestações anuais para português ver e se reafirmar como tal. Este é afinal o ciclo vicioso do caranguejo, de que Josué de Castro falava. O caranguejo que pensa que está a progredir mas que não deixa de se alimentar dos dejetos humanos daqueles que o consomem. As quimeras de antanho perpetuado para gerações vindouras; o passado só é bom para quem sabe futurar.

 

Poucas regiões costeiras no mundo parecem mais desoladas do que as montanhas Kimberley, no norte da Austrália ocidental. Trata-se de uma parte do continente onde a história parece ter passado sem deixar marcas, ou assim se pensava. Esta costa noroeste terá sido a base da colonização portuguesa do continente, de acordo com teorias do filólogo e historiador Dr. Carl von Brandenstein, segundo as quais no século XVI, os portugueses se teriam estabelecido na região dos Kimberley tendo inclusive trazido escravos africanos, descendentes dos quais mantiveram até 1930 um dialeto mesclado de aborígene e de português crioulo.

 

Segundo von Brandenstein existem mais de 80 nomes de lugares portugueses, num total de 260 palavras da mesma origem. Esta revelação, inicialmente datada dos anos 60 mereceu, em 1990, a atenção dos principais meios de comunicação social australianos, que postulavam sobre a necessidade de rescrever a história do país e datá-la em termos quinhentistas.

 

A descoberta de gramática em dialetos aborígenes atesta a existência de uma colonização portuguesa na área dos Kimberley, já que nem uma só das outras tribos aborígenes na Austrália têm regras gramaticais e muito menos tão formais como as dos aborígenes Yawujibarra[1], cujo último descendente faleceu em 1987.

 

A teoria vai mais longe, ao identificar nomes próprios de origem portuguesa ancestral, justificando o silêncio dos portugueses com base no Tratado de Tordesilhas. O professor von Brandenstein cita ainda a existência de construções e artefactos que datam de entre 1516 a 1580.

 

Mas se a língua portuguesa já aqui é falada há 500 anos, em tempos mais recentes sofreu outras miscigenações antipodais com que a comunidade local enriqueceu o seu linguarejar. Esta inserção de terminologia mesclada de Português e Inglês no contexto quotidiano deve-se a vários fatores:

 

·     Falta de conhecimentos suficientes do idioma do país de adoção

·     Necessidade de comunicação com as gerações nascidas e educadas no país de adoção, cujo domínio do Português é rudimentar e incapaz de estabelecer diálogos profundos

·     Corrupção de terminologias e vocabulários predominantes nos locais de trabalho, capacitando uma ponte para o lado outro da incompreensão mútua

·     Degeneração linguística, fruto das regiões de origem, assimilada pelos órgãos de comunicação local e dirigentes comunitários locais.

 

Tais neologismos distinguem-se dos que, fruto de tecnologias, comunicação social internacional e telenovelas têm aumentado o léxico português:

 

·     Marquéte – loja ou mercado (market)

·     Barrista ou bairrista, não é do mesmo bairro/subúrbio, mas advogado (barrister)

·     Levar o saco – ser-se despedido (get the sack)

·     Bisna – negócio ou comércio por conta própria (business)

·     Manageiro – gerente (manager)

·     Translação – tradução ou interpretação (translation)

·     Bossa – nem do camelo nem de dromedário, mas a patroa, a dona de negócio/escritório, ou meramente a dona da casa onde se vão fazer limpezas (boss).

·     Aplicar – escrever uma carta ou candidatar-se a um emprego (make an application, to apply for)

·     A côrte – sem os velhos requintes da nobreza é o mero tribunal (court)

 

Pelo que atrás ficou dito não será difícil imaginar-se a situação associativa dos portugueses na Austrália. Para além de grupos dedicados à terceira idade e de interajuda e outras raras exceções, as manifestações de serviços de apoio social e comunitário são raras. Existem no estado de Nova Gales do Sul e no de Vitória, mas praticamente inexistem noutros estados e territórios. Os mais visíveis e atuantes neste campo foram sempre os Timorenses com estruturas próprias. Aliás, será conveniente recuperar o facto de os timorenses sempre evidenciarem uma propensão curiosa em se associarem, quiçá fruto da sua dolorosa e trágica experiência das últimas décadas.

 

Das 162 comunidades étnicas radicadas na Austrália, a portuguesa até anos bem recentes não dispunha de visibilidade política ou outra, não desfrutando da vasta gama de subsídios e apoios governamentais. Cipriotas, malteses, assírios e lituanos, em bem menor número, tinham mais organismos de apoio às suas comunidades. Faltou sempre uma consciencialização de base, através de campanhas educacionais, e uma união capaz de transcender bairrismos, claques e cliques.

 

Clubes lusófonos vão dos grandes, Portugal Madeira Club e o Clube Português de Sydney, aos pequenos grupos da terceira idade, abarcando 2 mil pessoas ou apenas 50, nem todas sócias no sentido lato do termo. Se no passado operavam ilegalmente à margem do sistema australiano, atualmente estão oficialmente registados, como entidades multiculturais, dispondo de património imobiliário importante e de uma constante fonte de receitas.

 

O maior quinhão das suas atividades divide-se entre o desporto (com relevo para o futebol e atletismo) e a gastronomia, havendo algumas tentativas isoladas de promover a língua e a cultura, que levaram no início desta década de 90, à criação de jornais portugueses pertença de clubes.

 

O cariz de mudança foi sempre difícil e cansado – depois da descoberta do caminho marítimo das Índias – mas assume foros de impossibilidade quando a distância se situa a mais de 18 mil quilómetros do torrão pátrio. A cultura e quejandos não têm um ponto alto nas prioridades destas agremiações, como já acontecia no tempo da 'velha senhora'. Além disso, a cultura é sempre a mesma coisa enfadonha que se repete a 10 de junho e onde se fala daquele Camões que ninguém leu.

 

Essa cultura desnecessária para comprar casas, carros e amealhar fortunas, não serve à comunidade para resolver os seus problemas quotidianos. Nestas últimas décadas, os emigrados trouxeram novos hábitos e necessidades. E assim, de dois semanários, incipientes e banais chegou a haver seis, e de um programa semanal de uma hora na rádio existem várias alternativas, se não substancialmente melhores, pelo menos mais variadas.

 

Os livros enviados pelos senhores/as da cultura de Portugal costumavam ficar a apanhar pó, mas desde que no final dos anos 80 foi inaugurada uma delegação da Secretaria de Estado da Emigração, começaram a ir para escolas e agremiações.

 

Atualmente existe já variedade de temas impressos e audiovisuais que permitem dar outra imagem do país que ficou. Em tempos de antanho, uma pessoa era nada e criada para trabalhar, sem tempo de aprender a ler e escrever, e isso foi t.q.b. (tanto quanto basta) para virem à Austrália enriquecer, e serem mais importantes do que os que os doutores de palavras caras nas suas terras de origem.

 

Alguns admitem que, se tivessem estudado mais, poderiam estar ainda melhor, outros reconhecem que aqui atracaram com uma maleta cheia de ilusões e sonhos, sem falarem uma palavra desta língua australiana a que chamam inglês, e rapidamente começaram a trabalhar sem sentir a falta de estudos. E, aquilo que não nos falta, de nada serve.

 

' Quanto mais ignorantes, mais felizes ' é ainda infelizmente aplicável a vastos setores de emigrados. Nesta dicotomia entre maiorias e minorias se perpetuam dois países emigrados distintos, todos falando português, e tal como Eça de Queiroz dizia há mais de um século ´o povo já tem direito a voto mas isso não ajuda a pagar o dízimo’. Enquanto uns falam de futebol, outros discutem a metalinguística de Roland Barthes.

 

O governo federal e os governos estaduais despendem biliões de dólares anualmente com as comunidades étnicas, permitindo manter viva a língua e cultura portuguesas, estações de rádio e semanários. Portugal nunca poderia igualar esses subsídios. Desta forma, o país adotado e adotivo não só beneficia da riqueza cultural e linguística dos seus novos habitantes como ainda lhes proporciona os meios financeiros para a manterem.

 

O que falta a Portugal é uma política ativa e dinâmica, capaz de atrair os emigrados sem recorrer aos velhos chavões do folclore e dos feriados nacionais. Nesta ciberaldeia global e globalizante em que vivemos, poderia criar-se um fluxo constante de trânsito lusofalante, qualquer que seja o fuso. Teoricamente 170 milhões de lusofalantes, ou seja 3,5% da população mundial, dispõem apenas de 3,4 milhões de utilizadores no ciberespaço. Sendo o Português a sexta língua mais falada no mundo, a par com o russo, é apenas a 11ª na Internet maioritariamente anglófona[2].

 

A nova geração de emigrados, preferiu a via da integração nesta sociedade multicultural, com desprezo de clubes e organismos, em vez de os tentar mudar ou enriquecer. Esta nova leva de portugueses, de educação terciária ou não, e de profissões de gabarito mais elevado recusou-se assim, a estabelecer a ponte para a outra margem do espetro comunitário de expressão lusófona, nem mesmo se associando a expressões artísticas tais como grupos de teatro, de música ou outros.

 

A mais célebre biblioteca em 1982 na montra do talho português de New Canterbury Road, em Petersham, ostentava vídeos de futebol e livros da coleção RTP, que vagamente recordo da década de 60.

 

Havia também, segundo me foi então asseverado, uma valiosa coleção da Fundação Calouste Gulbenkian, oferecida ao Ministério Estadual de Nova Gales do Sul para os Assuntos Étnicos, mas a mesma lentamente foi desaparecendo, para enriquecer bibliotecas particulares.

 

Poderíamos ainda, para terminar, falar da situação específica do ensino da Língua e Cultura Portuguesas, e se bem que a situação melhorasse bastante nas últimas décadas quase tudo está ainda por fazer.

 

De início, nos anos 70, surgiu uma escola primária de orientação eclesiástica, a que outras se seguiram, atingindo uma dúzia em meados da década de 80, dispondo apenas de uma professora com curso do magistério. Posteriormente, os cursos foram alargados a todos os estados e territórios (à exceção da Tasmânia) e reconhecidos pelo Ministério da Educação passando a conferir diplomas e certificados reconhecidos como oficiais em Portugal.

 

Paralelamente, em áreas de elevadas taxas de residência de pessoas de ascendência portuguesa, o governo australiano incluiu currículos de português. Infelizmente, as pessoas que os ministram são normalmente mais aptas em Inglês do que em Português, na sua maioria descendentes de lusofalantes nados e criados na Austrália. A apatia intervencionista dos emigrados, a quase inexistência de grupos de pressão ou ação, leva-os a esta situação carente da mais preciosa arma para a sua definição como identidade étnica numa Austrália multicultural.

 

A adoção da cidadania australiana é seguida pela esmagadora maioria dos emigrados, mais por interesses económicos do que por falta de patriotismo, existindo noções míticas e incorretas sobre a sua consciência cívica, que vão do direito à reforma a outras regalias. Naturalizam-se mantendo sempre a nostálgica saudade do regresso a Portugal.

 

A meta primeira foi a de ter casa na Austrália, depois comprar outra em Portugal e se possível voltar para morrer nas berças. Quando não, na eventualidade do regresso, uma reforma ou a compra de uma bisna na terra de origem, servem de passaporte para alardear a riqueza obtida na estranja. Mais fácil dito do que feito: o desfasamento cultural, político e social entre o emigrado e o país de origem são fossos de que ele mesmo se não apercebe numa viagem de férias, podendo afirmar convictamente:

A minha pátria não é a língua portuguesa, mas sim o querer, vencer, ser melhor e mais rico do que os que em Portugal ficaram.


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