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Apresentação ChrónicAçores 15 julho 2011 ribeira grande

 

Começo por reconhecer à Ana Paula Andrade a bondade que sempre manifesta e a sua total disponibilidade para nos ter presenteado com estas modinhas do Cancioneiro Açoriano bem apropriadas a este livro. Agradeço ainda ao editor Francisco Madruga e à Editora Calendário das Letras, por terem publicado este livro e devo agradecer ao Dr. Ricardo Silva, Presidente da Câmara, por ser anfitrião na divulgação do mesmo aqui na Ribeira Grande, sede do concelho onde vivo e que já celebrou mais de 5 séculos. Este edifício, a antiga casa de João do Outeiro onde estamos, foi inaugurado em 1933, e remodelado e reaberto em 2000. Aqui se apresenta este livro com orgulho de termos presentes descendentes dos bravos homens e mulheres que, durante séculos, criaram esta cidade.

Como pode uma pessoa vinda de outras culturas e continentes entender estas ilhas e suas idiossincrasias? Pois bem, eu não só acredito em multiculturalismo, como sou um exemplo vivo do mesmo. Nasci numa família mesclada de Alemão, Galego, Português e Brasileiro do lado paterno e Português e marrano do lado materno. Só tarde me apercebi da herança judaica que tão importante foi no povoamento destas ilhas. Aos 23 anos publiquei o meu primeiro livro de poesia “Crónicas do Quotidiano Inútil”. Depois por cortesia do exército colonial fui defender o agonizante Império Português em Timor (1973 1975) onde fui Editor-chefe do jornal A Voz de Timor em Díli, antes de ir à Austrália e decidir adotá-la como pátria. Comecei a interessar-me pela linguística ao ser confrontado com mais de 30 dialetos em Timor. Desde 1967 dediquei-me ao jornalismo (rádio, televisão e imprensa escrita) e durante 24 anos escrevi sobre o drama de Timor Leste enquanto o mundo se recusava a ver essa saga.

De 1976 a 1982 desempenhei funções executivas na Companhia de Eletricidade de Macau. Ali, fui Redator, Apresentador e Produtor de Programas para a TDM e RTP Macau. Depois, radicar-me-ia em Sydney (e, mais tarde, em Melbourne) como cidadão australiano. Na Austrália estive sempre envolvido nas instâncias oficiais que definiram a política multicultural do país. Fui Jornalista no Ministério do Emprego, Educação e Formação Profissional e no Ministério da Saúde, Habitação e Serviços Comunitários além de ter sido Tradutor e Intérprete no Ministério da Imigração e no Ministério de Saúde de Nova Gales do Sul.

Divulguei a descoberta da Austrália, de vestígios da chegada dos Portugueses (1521-1525, mais de 250 anos antes do capitão Cook). Igualmente difundi a existência de tribos aborígenes falando Crioulo Português (há quatro séculos). Como Membro Fundador do AUSIT (Australian Institute for Translators & Interpreters), lecionei em Sidney na Universidade UTS, Linguística/Tradutologia e Estudos Multiculturais a candidatos a tradutores e intérpretes e por mais de vinte anos, fui responsável pelos exames dos Tradutores e Interpretes na Austrália (NAATI National Authority for the Accreditation of Translators & Interpreters).

Fui Assessor de Literatura Portuguesa do Australia Council, na UTS Universidade de Tecnologia de Sidney (1999-2005), publiquei trabalhos em jornais e revistas académicas/científicas, e apresentei temas de linguística/tradutologia e literatura na Austrália, Portugal, Espanha, Brasil, Canadá, China, etc.).

Em 1999, escrevi o ensaio político “Timor Leste: o dossiê secreto 1973-1975”, a que se seguiu em 2000 a monografia "Crónicas Austrais 1976-1996". Em 2005 compilei e publiquei o "Cancioneiro Transmontano 2005" e outro volume dos contributos para a história "Timor-Leste vol. 2: 1983-1992, Historiografia de um Repórter" (> 2600 pp., edição de autor CD).

Entre 2006 e 2010, traduzi, entre outras, obras de autores açorianos para Inglês, nomeadamente de Daniel de Sá[1], de Manuel Serpa[2], Victor Rui Dores "[3]. Em março 2009 publiquei o volume um da "CHRÓNICAÇORES: uma Circum-navegação, De Timor a Macau, Austrália, Brasil, Bragança até aos Açores, " cronicando as minhas viagens em volta do mundo.

Organizo desde 2001 os Colóquios Anuais da Lusofonia que ocorreram no Porto, Bragança. Ribeira Grande e Lagoa (São Miguel, Açores), Brasil e Macau e sou atualmente o Editor dos CADERNOS (DE ESTUDOS) AÇORIANOS, coordenados por Helena Chrystello e Rosário Girão.

Este segundo volume continua a minha circum-navegação. Na lenda havia um Rei Artur, Sir Galahad, os cavaleiros da Távola Redonda e a busca pelo Santo Graal. Aqui não há Dom Quixote, nem Sancho Pança nem moinhos de vento, contra os quais espadanar. Há apenas um poeta utópico, sequioso de aprender outras línguas, hábitos e culturas. Da infância em Trás-os-Montes, parti à conquista do “lulic” em Timor Português, dos hippies em Bali (Indonésia), sobrevivi ao “Anno Horribilis” no Verão Quente de 1975 Portugal, atravessei as Portas do Cerco na China de Macau, percorri a Austrália Ocidental, Vitória e Nova Gales do Sul, com passagem pelo Oriente do Meio e seus emirados, Europa, Ásia e Pacífico Sul, antes de redescobrir o Brasil e Portugal. Por fim, pairei nos ares como um milhafre sobre a ilha de S. Miguel donde fui também em conquista de Santa Maria, Faial, Pico e S. Jorge. Se na Austrália encontrei uma tribo aborígene a falar crioulo português com mais de 450 anos, descobri na antiga Bragança a mátria e nos Açores descobri o que a maior parte do mundo desconhecia: uma pujante literatura.

Esta viagem leva-nos num périplo pelo mundo em que vou cronicando tal como Marco Polo, as terras, as gentes e os costumes e tradições. Da análise política, social e pessoal parto à descoberta de culturas antes de regressar ao seio duma Lusofonia sem raças, credos ou nacionalidades, até me radicar na “Atlântida” onde desvendo e divulgo a fértil literatura açoriana catapultadora de autonomias e independências por cumprir.

Falta ainda agradecer à minha mulher por ter casado comigo. Sem isso estaria na Austrália e nunca teria conhecido os Açores e a açorianidade de que falo neste livro. Acredito na multiculturalidade e dela absorvi e aprendi mais nesses países onde vivi do que qualquer universidade me poderia ensinar. Com os aborígenes australianos compreendi que é possível preservar a nossa língua e cultura mesmo sem ter uma escrita por mais de 60 mil anos, com os chineses descobri o valor do futuro com base nos ensinamentos do passado, com os timorenses, macaenses e tantos outros aprendi outras partilhas de saber que ainda hoje fazem parte do meu quotidiano.

Como se pode optar por ficar aqui nestas ilhas e descurar todos os mundos que existem para lá deste arquipélago? É simples, uma pessoa fica ilhanizada como Almeida Firmino em A Narcose, como se os outros mundos não tivessem importância a não ser para divulgar o  segredo da existência de uma importante literatura de cariz açoriano. Foi preciso descer à Praia da Viola, passar pela Ribeira do Preto e pela do Frade e do Calhau para começar a entender como nasceu esta identidade. É preciso subir aos montes verdes, ver as vacas alpinistas e o mar que nos rodeia para entendermos a açorianidade que nos leva a escrever. Depois, é preciso viajar entre estas nove filhas de Zeus e entender os maroiços do Pico, calcorrear o Barreiro da Faneca, pisar as areias esbranquiçadas de Porto Pim e meditar em frente ao ilhéu do Topo. É essencial partir à descoberta de cada ilha, sonhando com Dias de Melo nas agruras e na fome dos baleeiros no Mau Tempo no Canal em reminiscências de Nemésio, parar num qualquer aeroporto e entender o Passageiro em Trânsito do Cristóvão de Aguiar, ler em voz alta a poesia do Fogo Oculto de Vasco Pereira da Costa, Viajar com as Sombras ou com o Tango nos Pátios do Sul de Eduardo Bettencourt Pinto, depois de revisitar as pedras arruinadas do Pastor das Casas Mortas ou a Grande Ilha Fechada de Daniel de Sá que tanto gosta de nos ensinar História enquanto nos conta as suas estórias. Escolhi estes que melhor conheço mas há muitos outros autores açorianos que não só merecem ser lidos, como deveriam constar obrigatoriamente de qualquer currículo de ensino.

Nos anos 70 designei para pátria a Austrália embora nunca tivesse deixado de conjugar a outra de Fernando Pessoa, a língua portuguesa. Hoje tenho como mátria Bragança mas aos açorianos o devo pois foram eles que me ensinaram o amor às raízes. Sinto como vocês transportam esse sentimento de pertença, aqui ou no estrangeiro. Toda a minha vida foi uma circum-navegação. A ChrónicAçores retrata amores ilhéus de Timor aos Açores e contém uma pequena monografia da Lomba da Maia onde vivo, e é dedicada à literatura açoriana e ao amor pelas ilhas que, já descobri, de S. Miguel, Sta Maria, S. Jorge, Faial e Pico.

Por último resta-me dizer que devemos cuidar de aproveitar aquilo que nos diferencia do resto da ilha para incrementar as nossas potencialidades de atrair turismo para todas as valências que a capital da ilha não tem, oferecendo a nossa imensa hospitalidade, gastronomia, os nossos montes e mares pois poderá estar aí o nosso crescimento económico e a solução para o desemprego que já começa a ameaçar a estrutura familiar das nossas gentes. Apostemos no turismo dos trilhos, da descoberta das baías e escarpas da  costa norte, no turismo cultural que aproveite bem a riqueza que são as nossas tradições, as igrejas e procissões, e a enorme opulência da nossa história que quase se confunde com a da própria ilha, pois na união está a nossa força, somos diferentes, somos da costa norte de mares agrestes, de ventos mata-vacas e temos o orgulho de 5 séculos de história.

Esta a mensagem final que entenderão bem melhor se lerem o ChrónicAçores. Bem hajam pela vossa paciência para me ouvirem pois vou terminar lendo o único texto em que uso termos típicos das nossas nove ilhas.

 

1.1. CONVERSAS DO ALÉM

 

Há tempos ficara menente quando lhe disseram que um falecido, na vizinha Lombinha da Maia, pedira para ser enterrado com o seu inseparável telemóvel. O homem sem pitafe2 algum viera da Amerca3, ali da antiga Calafona4, e queria estar contactável mesmo para lá do grande túnel luminoso.

Qual não foi o espanto, num alpardusco5 de camarça6, ao transitar pelo cemitério já encerrado a visitas, e ver três pessoas do lado de fora das grades do cemitério falando com alguém e usando os seus telemóveis ou celulares bem encostados ao ouvido. Uma delas, tinha uma mão nas grades e na outra segurava o aparelho.

Não tinha tarelo7 nenhum. Não querendo ser lambeta8, interrogava-se “Estaria a falar com o falecido, que nascera empelicado9?” Será que o finado atendeu do lado de lá dentro do seu caixão de mogno envolto na “Stars and Stripes” à prova de leiva10 ou continuaria na sua eterna Madorna11? Teria acendido um palhito12 para ver quem lhe ligava? De que falariam? Que mexericos trocavam? Lamentar-se-iam da falta que lhes fazia ou estariam a queixar-se da carestia de vida? Que palavras trocariam que não tivessem já comunicado? Que faltara dizer? Estariam a queixar-se da sorte caipora13 dos herdeiros ou a culpá-lo pela caltraçada14criada pelo inexistente testamento? Teriam sido vizinhos de ao pé da porta15? Falariam do gado alfeiro16 sem touro de cobrição? Talvez dum derriço duma filha numa constante arredouça17, às fiúzes18 do namorado da cidade? JC ia ficar a nove19 mas tratando-se de gente rural podia augurar que os vaqueiros se preocupassem mais com subsídios e vacas.

Não devem escalar grandes cumes culturais ou espirituais. Pressupunha ser esse o jaez da conversação. Não se crê que pedissem aconselhamento para as eleições legislativas dali a seis semanas nem tampouco lamentassem a falta delas. Quem sabe que lastimavam? Falariam, talvez, de mordomos, impérios e festas que isso, sim, seria assunto da maior relevância local, que o melhor da festa é esperar por ela, mas mais apropriado para se discutir à mesa, sem ninguém a atramoçar20, com uns calzins21de abafado22 até se ficar meio piteiro23.

Uma pessoa interroga-se sobre a possibilidade de duração infinita das baterias do aparelho no esquife. Seria a solução para tantos escritores e outros que se separam dos leitores sem tempo de dizerem um último adeus, escreverem a última frase de um livro, acenarem com um novo projeto ou retificarem qualquer coisinha. Seria a forma inédita de poderem continuar a comunicar com aqueles que ficam facilmente órfãos de autores que os acompanharam nesta digressão terrena.

 Admira-se que as companhias de telecomunicação não tenham inventado uma bateria de longa duração que não precise de ser carregada debaixo de terra e permita acesso ilimitado, a troco de uma conveniente taxa vitalícia, aos que os deixaram já no meio duma amizade, dum amor, duma relação, duma paixão. Seria, decerto, um êxito comercial se viesse com a possibilidade de personalização do aparelho. Quem sabe o que se evitaria de dores incompletas, de saudades por mitigar, de conversas inacabadas? Novos planos poderiam surgir em operadoras de telemóveis. Um tema a merecer estudos futuros…

(texto revisto por e dedicado ao Dr. J. M. Soares de Barcelos, autor de Dicionário dos Falares dos Açores (ed. Almedina 2008), por me fazer sentir menos estrangeiro

1.           Menente, espantado, estupefacto (São Miguel)

2.     Pitafe, defeito, atribuído quer a pessoas, quer a objetos. nódoa na reputação.

3.     Amerca, corruptela de América, ou Nova Inglaterra por oposição ao outro grande polo de emigração, a Califórnia

4.     Calafona, Califórnia, na estropiação dos emigrantes de antigamente

5.     Alpardusco, o mesmo que alpardo, crepúsculo, lusco-fusco (São Miguel)

6.     Camarça, tempo húmido (São Miguel)

7.     Tarelo, juízo, tino (São Miguel)

8.     Lambeta, intrometido (São Jorge)

9.     Empelicado, diz-se de pessoa afortunada, usado na frase nascer empelicado (Terceira)

10.   Leiva, designação dada a formações de musgo de várias espécies Sphagnum, abundante na parte alta das ilhas. No Corvo é o musgo, nas Flores musgão, no Faial tufos. Nome da urze, Calluna vulgaris, usada em S. Miguel na preparação do solo das estufas dos ananases.

11.   Madorna, sono leve, sonolência, torpor

12.   Palhito, o mesmo que fósforo (Terceira)

13.   Caipora, de qualidade inferior, reles. Sorte caipora: que pouca sorte, sorte maldita (São Miguel)

14.   Caltraçada, confusão, mixórdia, trapalhada

15.   Vizinho do pé da porta, o mesmo que vizinho do portal da porta, que mora nas redondezas de uma casa (vizinho de ao pé da porta em São Miguel)

16.   Alfeiro, gado bovino que não dá leite, por exemplo de uma vaca que não apanhou boi, e que, por isso, não dá leite. Gado alfeiro sem touro de cobrição (in Cristóvão de Aguiar)

17.   Arredouça, confusão, desordem

18.   Fiúzes (São Miguel) ou Às fiúzas de, àcusta de, viver à custa de outrem (Terceira)

19.   Ficar a nove, não entender nada do que ouviu.

20.   Atramoçar, aborrecer, interferir com, maçar (in Cristóvão de Aguiar) (São Miguel)

21.   Calzins, pequeno copo, geralmente destinado a beber aguardente ou bebidas finas

22.   Abafado, O vinho abafado é um vinho tradicional dos Açores, constituindo uma tradição na costa norte de São Miguel, onde a abundância de pomares e a produção frutícola excedentária é frequentemente aproveitada para a feitura de licores, vinhos abafados e compotas. No caso dos vinhos abafados, trata-se de um género vinícola com elevado teor alcoólico cuja fermentação é interrompida através da adição de aguardente ou álcool, permanecendo mais ou menos doce (uma vez que o açúcar natural da uva não se transformou em álcool). Transformação licorosa do típico vinho de cheiro micaelense, o abafado é considerado o vinho do Porto dos Açores, em resultado de um processo de laboração que dispensa o recurso a corantes ou conservantes. (São

24 Piteiro, aquele que bebe muito (Terceira, Flores

 

fotos rib gr chronicaçores2 ver imagens aqui

 

[1] Santa Maria ilha-mãe, O Pastor das Casas Mortas, São Miguel: A Ilha esculpida e a Ilha Terceira Terra de Bravos

[2] As Vinhas do Pico

[3] Ilhas do Triângulo, coração dos Açores numa viagem com Jacques Brel

XXXIV Colóquio

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