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Qui., Nov.
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apresentação no Faial

 

Boa noite a todos e obrigado à Dra. Carla Cook pela sua excelente apresentação que bastante me lisonjeia. Quero salientar que é uma honra estar aqui naquela que já foi a Insula de Ventura e Ilha de São Luís de França.

A ChrónicAçores retrata os meus amores ilhéus. Além da literatura dos Açores, viaja de Bragança à Austrália, e aos meus amores por São Miguel, Santa Maria, São Jorge, Faial e Pico.

Aliás a inquietude persegue-me desde que deixei a Europa em 1973 e me abri ao conhecimento universal e multicultural. Adquiri uma errância mais própria de nómadas ciganos do que das origens sedentárias de marrano galaico-português. Esta inconstância assola-me ainda mais desde que me arquipelizei nos Açores há mais de seis anos. Sou conhecido pela infidelidade no amor às ilha que habito. De cada vez que saio da Ilha verde - e visito ou conheço nova ilha – enamoro-me loucamente como um jovem adolescente de sangue quente em busca de paixões avassaladoras como são os amores da juventude. Só posso viver numa mas em todas quero estar em simultâneo, pois nelas me sinto em casa.

Quando aqui cheguei desconhecia quase tudo sobre as ilhas, mas descobri no Dicionário do Morais os termos “chamados” açorianos. A língua recuada até às origens e adulterada pelo emigrês que trouxe corruptelas aportuguesadas e anglicismos. Trata-se de desvendar o arquipélago como alegoria recuando à sua infância, sem perder de vista que as ilhas reais já se desfraldaram ao enguiço do presente e não podem ser só perpetuadas nas suas memórias. Nesta geografia idílica não busquei a essência do ser açoriano. Existirá, decerto, em miríade de variações, cada uma vincadamente segregada da outra. Também não cuidei de saber se o homem se adaptou às ilhas ou se estas condicionam a presença humana, para assim evidenciar a sua açorianidade. Limitei-me a observar e a analisar o que me rodeia e depois passo ao papel essas crónicas do mundo que me envolve. Aliás, estou convencido de que uma das razões para haver aqui tantos escritores se deve exatamente ao facto de vivermos nestas ilhas. É essencial partir à descoberta de cada ilha, sonhando com Dias de Melo nas agruras e na fome dos baleeiros, reler o Mau Tempo no Canal, parar num qualquer aeroporto e entender o Passageiro em Trânsito do Cristóvão de Aguiar, ler em voz alta a poesia do Fogo Oculto de Vasco Pereira da Costa, Viajar com as Sombras ou com o Tango nos Pátios do Sul de Eduardo Bettencourt Pinto, depois de revisitar as pedras arruinadas do Pastor das Casas Mortas ou a Grande Ilha Fechada de Daniel de Sá. Escolhi estes que melhor conheço mas há muitos outros autores açorianos que não só merecem ser lidos, como deveriam constar obrigatoriamente de qualquer currículo regional. Cito do livro:

A ilha para Natália Correia é Mãe-Ilha, para Cristóvão de Aguiar, Marilha, para Daniel de Sá, Ilha-Mãe, para Vasco Pereira da Costa, Ilha Menina, para mim nem mãe, nem madrasta, nem Marília nem menina, mas Ilha-Filha, que nunca enteada. Para amar sem tocar, ver dilatar nas dores da adolescência que são sempre partos difíceis. Toda a vida fui ilhéu. Perdi sotaques mas não malbaratei as ilhas-filhas. Trago-as comigo a reboque, colar multifacetado de vivências de mundos e culturas distantes. Primeiro em Portugal, ilhota perdida da Europa durante o Estado Novo, depois em um capítulo naufragado da História Trágico-marítima nas ilhas de Timor e de Bali, seguido da ínsula de Macau (fechada da China pelas Portas do Cerco), da imensa ilha-continente Austrália, e na ilhoa esquecida de Bragança no nordeste transmontano, antes de arribar a esta Atlântida Açores. Tudo começou a modificar-se quando traduzi Daniel de Sá e Victor Rui Dores entre outros. Acabei cativo e apaixonado. Tive de escrever para me libertar da poção mágica do arquipélago e daí nasceu “ChrónicAçores: uma circum-navegação”. Foram meus guias,

Dias de Melo que era um operário, agricultor, pescador, escultor que trabalhava, ceifava, pescava e esculpia a palavra como um baleeiro, pescador, marinheiro, mestre de lancha da ilha do Pico. Escreveu como se da janela da sua “Cabana do Pai Tomás” no Alto da Rocha na Calheta de Nesquim, vigiasse os botes e as lanchas da Calheta, baleando contra os Vilas e os Ribeiras

Cristóvão de Aguiar que psicanalisou as gentes e a terra que o viram nascer mas adotou o Pico como nova ilha mátria em 1996. Para ele a escrita nunca será catarse, título do seu mais recente livro, pois é fruto de amores incompreendidos entre si e a sua ilha...Como diz (Relação de Bordo II pp. 199-200) Primeiro foi a ilha, nunca mais a encontramos como a havíamos deixado...trouxemos somente a imagem dela ou então foi outra Ilha que connosco carregámos...

Vasco Pereira da Costa que é um apaixonado e representa a universalidade da açorianidade nos seus contos e poemas, sem jamais descurar o telurismo na sua escrita, sendo sarcástico e crítico do falso cosmopolitismo insular quer na crítica à mentalidade medíocre quer no provincianismo balofo que critica na multiplicidade da sua obra que vai desde o conto e a novela, até à memória e à “crónica” breve, passando pela Poesia.

Se bem que a minha pátria seja a Austrália eu conjugo-a com a de Fernando Pessoa, a língua portuguesa. Se hoje tenho como mátria Bragança, aos açorianos o devo, pois foram eles quem me ensinou a ter amor às verdadeiras raízes onde quer que se viva. Ao vê-los tão amantes das suas terras tive de descobrir as minhas origens em Bragança onde vivi menos tempo do que em qualquer outro lugar. Sinto como todos transportam esse sentimento de pertença aqui e no estrangeiro.

Num mundo marcadamente materialista como este, decidi que a minha herança para os filhos seria esta riqueza dos conhecimentos que colecionei ao longo da minha circum-navegação e que agora condensei em livro. Aprendi mais nos países onde vivi do que qualquer universidade me poderia ensinar. Com os aborígenes australianos entendi como é possível preservar a língua e cultura mesmo sem haver escrita há 60 mil anos. Com os chineses apreciei o valor do futuro com base nos ensinamentos do passado, e com os timorenses, macaenses e outros aprendi saberes que fazem parte do meu quotidiano. É disso que este livro fala. Aqui, nesta ilha tudo me fascina desde o surrealismo dos Capelinhos a fazer esquecer a tragédia humana que lhe está associada até a essa visão paralisante do Pico. O mágico cume tem um íman que atrai a visão humana e nos desconcentra, sempre a pedir para o contemplarmos nas suas mil e uma facetas alteradas a cada segundo.

Tivesse eu fôlego e iria ao mítico Pico da Atlântida submersa, cujo magnetismo me fascina ao ponto de desejar, vezes sem conta, mudar de armas e bagagens para este Triângulo Sagrado onde prometo fazer imolações e outros sacrifícios nas aras do destino. Não sendo das Bermudas este triângulo isósceles, que nunca escaleno obsceno, seria ótimo pousio final para as minhas cinzas quando chegar a estação de fazer como as cobras e trocar de pele. Despir a bela capa colorida terrena, de seis decénios, e vestir o cinzento das cinzas que a lançar nesta lendária Atlântida de continentes submersos cujos picos vocês habitam.

Ao chegar à Horta pela primeira vez, comecei por essa instituição mundial que é o Peters. O resto vem nos livros. Não bebi o obrigatório gin-tónico mas sentira o peculiar e místico ambiente. “Cheira a Hemingway”, dissera, sem saber ainda que Jacques Brel por lá andara também. As baías deslumbram, dia ou noite, sob a sombra imponente do Pico. Este, ora se esconde, ora se revela num jogo constante do gato e do rato, que entusiasma e arrebata. Aqui há sortilégio. Esta terra marca e adoro-a. Nem demasiado grande, nem pequena, mas cosmopolita quanto baste. Logo no primeiro dia ouvi falar espanhol, italiano, holandês, sueco, finlandês, inglês, francês e português de vários quadrantes. E depois há sempre esta magia do Pico. De olhar para ele pelos olhos de quem está no meio do triângulo. Não é fácil tentar transmitir a atração irreprimível que esta ilha exerce não obstante as mil e uma ameaças de tremores de terra catastróficos e de vulcões semiadormecidos.

Longe vão os momentos de angústia pela ocupação Filipina, pelos ataques dos corsários, e os confrontos das guerras liberais, a que se seguiria a fase de riqueza das laranjas, dos baleeiros e do cabo submarino. Apesar de bombardeada pelos Alemães na 1ª Guerra, a Horta teve um longo período de declínio e enfrenta hoje o desafio de reabilitação urbana do seu rico património. Sem jamais perder a sua rica cultura, espera e deseja um novo Cônsul Dabney que a lidere rumo ao futuro regenerando as suas joias da Coroa. Não pode permanecer estática neste seu escadório frente ao altar do Pico e viver das crónicas de antanho. É por isso que a amo. Termino dizendo que enquanto o Pico me seduz como uma jovem amante irresistível nos seus 750 mil anos, o Faial com mais de 800 mil anos, antes faz as vezes de esposa madura com quem nos habituamos a viver e com quem nos dispomos a passar o resto dos dias num pacto de fidelidade, partilhando alegrias e tristezas, vendo os filhos e filhas crescerem ao longe, ansiando pela visita dos netos enquanto nos deleitamos com as visitas que aqui chegam pelo mar e pintam as suas bandeiras na marina. São esses visitantes que nos trazem novas desse mar imenso que o Genuíno Madruga andou navegando, tal como outrora outros fizeram em busca de novos mundos e gentes. Que seja o mar que nos envolve em suas carícias enquanto a terra nos faz estremecer, a trazer-nos as boas novas de novas glórias e mundos por conquistar.

 

Bem hajam pela vossa paciência para me ouvirem pois vou terminar lendo o único texto em que uso termos típicos das nossas nove ilhas.

 

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